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Uma história da psicanálise popular

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Não raro concebida como uma prática hermética e elitizada, confinada às quatro paredes do setting, a psicanálise é por vezes equiparada a todo um leque de terapias voltadas ao aumento do bem-estar individual. ?? precisamente essa ideia que o psicanalista francês Florent Gabarron-Garcia põe por terra neste livro, em que empreende uma verdadeira recuperação histórica dos momentos nos quais a psicanálise reafirmou seu compromisso com as classes trabalhadoras, revelando seu caráter engajado como prática e disciplina.
Com esse esforço, Gabarron-Garcia visa combater o que chama de ???psicanalismo???, um discurso reacionário sobre o sujeito e a sociedade que se passa por psicanálise e afirma a neutralidade do campo. Conforme nos mostra o autor, esse discurso, que se tornou hegemônico nas últimas décadas, buscou operar uma purificação da história política e popular da psicanálise, contribuindo com a manutenção do poder de analista sobre paciente e das classes dominantes sobre as trabalhadoras, compactuando com uma visão burguesa sobre cuidado, saúde e ciência. Ora, o próprio pai da psicanálise, considerado por muitos como o expoente de um ???pessimismo cultural??? de que O mal-estar na civilização seria a prova máxima, mostrou-se por muito tempo otimista em relação a reformas sociais progressistas, tendo inclusive defendido, em 1918, a criação de clínicas públicas, que se alastraram pelo continente europeu. Como, então, chegamos até aqui?
Gabarron-Garcia reconstrói uma verdadeira história popular da psicanálise. Ela começa na União Soviética dos anos 1920, mediante a experiência pioneira de Vera Schmidt com a psicanálise de crianças. Passa pelas policlínicas de Viena, pela defesa feita por Wilhelm Reich de uma revolução sexual contra o fascismo. Depois da Segunda Guerra, continua com a psicoterapia institucional de François Tosquelles e Jean Oury, com o grupo Plataforma, na Argentina, e com a ???psicanálise heterodoxa??? de Félix Guattari. Por fim, ainda se associa à experiência explosiva do coletivo de Heidelberg, o SPK, que defendia o potencial anticapitalista da doença e cuja repressão política, à época, causou alvoroço entre os maiores nomes da psicanálise internacional.
Contra uma suposta neutralidade, este livro é uma jornada pelos caminhos revolucionários da psicanálise, os quais, conforme revela Gabarron-Garcia com atenção clínica e entusiasmo histórico, são muito mais numerosos e levam muito mais longe do que se espera, confirmando: não há transformação individual sem transformação coletiva.

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