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A península Ibérica se desgarra da Europa e, à medida que navega à deriva pelo Atlântico, vai recriando a própria identidade. Narrativa de corte surrealista, belíssima parábola sobre o isolamento dos povos ibéricos em relação a seus irmãos europeus ao longo dos séculos.
Racham os Pirineus, a Península Ibérica se desgarra da Europa. Transformada em ilha – Jangada de Pedra -, navega à deriva pelo oceano Atlântico. A esse espetacular acidente geológico somam-se outros insólitos que unem os quatro personagens principais do romance numa viagem apocalíptica e utópica pelos caminhos da linguagem e, por meio dela, pelos da arte e da cultura peninsulares. A história dos povos ibéricos, José Saramago a conta e reconta pela memória de um narrador, múltiplo de si mesmo e dos personagens cujas andanças acompanha. Os mitos se costuram nas pedras da fratura de que se fez a jangada. Neles se recuperam as crônicas, peregrinações de heróis anônimos ou notórios da identidade ibérica, todos notáveis, D. Quixote entre uns, os peregrinos de Santiago de Compostela na Idade Média entre outros. Narrativa perfeita na qual os fantasmas do inconsciente pousam familiarmente no cotidiano; surrealismo vigoroso que torna o incomum realidade, criando as condições oníricas para virar o mundo às avessas e, então, contar-lhe, com ironia e graça, os transtornos de erros e acertos, de enganos e desenganos. Posto assim ao contrário de si mesmo e de suas aparentes e reais firmezas, o mundo abre-se para a aventura ficcional da desconstrução das certezas das palavras e dos objetos; deixa-se viajar no estranhamento que daí decorre; reencontra-se em signos velhos e cristalizados: signos novos contudo, nos enigmas em que se tornam, reveladores também nas fantásticas soluções narrativas que desencadeiam.
Carlos Vogt
A caligrafia da capa é de autoria da escritora Ana Maria Machado