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No marco de seus noventa anos, as memorias de Fernanda Montenegro trazem o frescor de uma artista eternamente genial. Em Prologo, ato, epilogo, Fernanda Montenegro narra suas memorias numa prosa afetiva, cheia de inteligencia e sensibilidade. Com sua voz inconfundivel, ela coloca no papel a saga de seus antepassados lavradores portugueses, do lado paterno, e pastores sardos, do lado materno. Lidas hoje, sao historias que podem parecer um folhetim. Ou uma tragedia generos que a atriz domina com maestria. Na turma de jovens que circulavam pela radio estava Fernando Torres, que ela reencontrou nos ensaios da peca Alegres cancoes na montanha, quando comecaram a namorar. Fernando largou a Panair, Fernanda largou a Berlitz, e o casal se entregou de corpo e alma a arte, paixao de uma vida. Constituiram uma familia e realizaram juntos um sem-numero de pecas, ao lado dos principais nomes do teatro brasileiro. Em paginas de grande emocao, ela relembra os desafios de criar os filhos sobrevivendo como artistas; a busca permanente pela qualidade; a persistencia combativa durante os anos de chumbo; a capacidade de constante reinvencao; o padecimento de Fernando; o inesperado sucesso internacional nos anos 1990; a crenca na terra que acolheu seus antepassados imigrantes e a devocao por esse pais. Fernanda encarna o melhor do Brasil. Nao surpreende que alguem que passou a vida memorizando textos tenha desenvolvido notavel capacidade de rememorar com sutileza fatos ocorridos decadas atras. A atriz que ha anos encanta multidoes em palcos e telas pelo mundo agora se mostra uma contadora de historias de mao-cheia. Nao estou romanceando. Tenho quase um seculo de vida, portanto posso dizer: Era no tempo do rei . Nao se sabe o que mais admirar nela: se a excelencia de atriz ou a consciencia, que ela amadureceu, do papel do ator no mundo. Ela nao se preocupa somente em elevar ao mais alto nivel sua arte de representar, mas insiste igualmente em meditar sobre o sentido, a funcao, a dignidade, a expressao social da condicao de ator em qualquer tempo e lugar. Carlos Drummond de Andrade