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Instável por definição, o domínio de Eros está fadado à incerteza: sobre cada noite de amor sempre pode pesar a ameaça de ser a última. Daí que a fantasia da permanência ocupe a imaginação dos amantes desde há muito tempo. Ou, ao menos, desde a idade de ouro do lirismo grego, por volta de 600 a.C., quando Safo de Lesbos registrou em versos suas delicadas súplicas para a paixão subsistir ao tempo: ???possa para mim esta noite / durar duas noites???.
Versos assim, que compõem os fragmentos de Safo hoje conhecidos, deram origem à poesia amorosa do Ocidente. E, com efeito, não será essa outra noite desejada, que vem se acrescentar à noite vivida, a substância secreta de todo poema de amor? Não se poderá reconhecer aí a dimensão imaginária que, fundando a lírica de Eros, se oferece como um prolongamento do encontro amoroso?
Safo era atenta à brevidade dos afetos. As jovens mulheres da ilha de Lesbos que frequentavam seu círculo literário para serem iniciadas nas artes da dança, da poesia, da música e também do amor ???, ali estavam apenas de passagem. Formadas por ela, essas jovens a deixariam um dia para se casar, abandonando-a ao trabalho silencioso das palavras: ???em relação a vós, lindas, / meus pensamentos nunca mudarão???.
Não surpreende que seus poemas evoquem com frequência a solidão da amante (???a Lua já se pôs, as Plêiades também; é meia- / noite; a hora passa e eu, / deitada estou, sozinha???), e lamentem a distância intransponível que a separa do objeto amado (???não posso tocar o céu / com as mãos???). Ou, ainda, que revelem a implacável lógica do encontro impossível:
???igual à doce maçã que amadurece lá no alto, no mais alto ramo pelos colhedores esquecida ??? esquecida, não: que eles não conseguiram alcançar???
Essa voz solitária e íntima que a tradução sensível de Joaquim Brasil Fontes agora faz chegar até nós instaura um apelo que, desde então, não cessa de ecoar na poesia amorosa ocidental. ?? o apelo de um Eros sensual e meditativo, ???tecelão de mitos???, entregue de corpo e alma à criação de uma outra noite para contemplar o desejo dos amantes.
Eliane Robert Moraes