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Olho reavido

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amar sem ter
       é paradoxo de tempo e espaço
       é sismo sem magnitude
amar sem ver
amar sem nunca saber
       é o oco do solilóquio
       é o virtuosismo do mormaço
amar sem haver, sem nem refúgio nem regaço
       o solipsismo do osso
       o insosso do avatar
amar sem contemplar
amar sem abraço
       é o aço do estoicismo
       é esboço de amar, ameaço
amar sem abranger
       é a armadilha da troça
       bagaço de amar, sobrosso
       amar sem ter vossa mercê
       haver-se assim não se possa
amar sem ser

  O ???olho reavido??? deste novo livro de poemas de Luci Collin preenche o espaço entre o dito e o não dito. Luci ousa na escolha do que enuncia e no silêncio que fala (???o justo pejo do silêncio honrado na palavra feito olho???; ???luz sem sombra, silêncio bruto???). Da leitura das imagens dos poemas, concluímos que o olho não é incisivo, que pode ser de ???pérola e espanto???, pode ser um coração que sangra e ser ilusório o que vê. Enxerga os entardeceres e o escuro, o da ???noite solitária e cega??? de uma epígrafe de Agrigento.

  ???Um olho de alcance enigmático e admissível??? está também no esquecimento e na memória, ???engenho e abrigo??? que tornam presente a ausência. ???Protege contra lembranças mutiladas???, segue os caminhos da melancolia e do desejo e vê a história fugir ???nalgum cavalo fátuo porque tem seu próprio alfabeto.??? Memória ???de baú primitivo??? (???sou longe e existida???): o que já foi e dolorosamente falta.

  Uma poesia ???que resulta de sentimento??? ??? ???sim, isso??? ???, para parodiar uma epígrafe de Wallace Stevens, não teme o lugar do ???eu???, aqui um ???eu??? oblíquo, contido, ???severo??? ou ???extravagante???, que não se sobrepõe à segunda ou à terceira pessoa, nem às coisas (???o que é mais desconforme nisso tudo: eu mesma/ou/essa mesa que pus/com duas xícaras de chá???). Este ???eu??? está na substância sólida ou na mais etérea, naquilo que o olho vê ou a mão alcança (???eu nessa, tanto o vulto quanto o halo eu nisso???).

  Em palavras bem escolhidas, que surpreendem e desconcertam, os versos falam ???do escasso e do tímido???, ???sem permissão de água nenhuma???, e ???insistem na exposição da nossa existência rala.??? Poesia límpida, sem excessos. Precisa.
Existem referências sutis e outras diretas, como a do poema intitulado ???Cantares???, que evoca o Cântico dos Cânticos: ???seja prazer e louco proveito/ porque não guardo vinha nem preceito para além do arroubo/do gozo.???
Cada verso deste livro deve ser observado com olho desapressado. ???Tudo que é belo é lentamente???, diz um deles.
João Almino

Luci Collin, poeta, ficcionista, tradutora e educadora curitibana, tem mais de vinte livros publicados. Foi finalista do Prêmio Oceanos com Querer falar (poesia, 2014). Por esta editora tem publicados A árvore todas (contos, 2015), A palavra algo (poesia, 2016, Prêmio Jabuti), Papéis de Maria Dias (romance, 2018 ??? com peça teatral homônima montada pelo Teatro Guaíra), Rosa que está (poesia, 2019, finalista do Prêmio Jabuti) e Dedos Impermitidos (contos, 2021, Prêmio literário Clarice Lispector, Biblioteca Nacional). Participou de diversas antologias nacionais e internacionais (nos EUA, Alemanha, França, Uruguai, Argentina, Peru e México). Com Doutorado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês (USP, 2003), é professora aposentada do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da UFPR. Ocupa a Cadeira n. 32 da Academia Paranaense de Letras.

Luci Collin

Dedos impermitidos

R$ 59,00