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O pão do corvo

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No lugar de humanos se protegendo da materia imponderavel vulcoes, enchentes, tsunamis quem sabe se nao e ela, a materia, em sua imanencia, que precisa se proteger de nos: de nossa histeria falante, nossos corpos em gula, nosso cerebro infindavelmente reprodutor? Pode mesmo ser que tudo aquilo a que nomeamos sujeiras po, fuligem, graos seja, na verdade, a materia se recobrindo e escondendo-se. Assim tem inicio a Licao de Geologia , primeiro conto de O pao do corvo, numa linguagem falsamente tecnica e ensaistica que percorre o livro todo, enganando o leitor que, credulo, quer aceitar o que se propoe como teoria. Na verdade, nao deixa de ser uma especie de teoria, e ate uma profissao de fe, o que vai se construindo aqui como ficcao. E como se essa materia que abre o livro e que entropicamente vai se defendendo de nos, comparecesse em todos os contos, assim gerando nao somente um universo simbolico, mas tambem filosofico. Afinal, em Ele canta , um nos protege seus frutos com lonas em O velho em questao , um Proteu autobiografico ouve vozes de pedras, de sal e de passos e quer, como utopia de vida, transformar-se em pedra em Vamos voltar para a neve um eu vai cavando um buraco para que um eles escape da neve em Para a desaparecida , de novo um eu o mesmo, sempre? Tem que rasgar a pele de estrada daquela estrada em que eu andava e a pele de tronco daqueles troncos . E o mesmo poderia ser dito sobre todos os outros contos deste pao que, no lugar de nos ser trazido por algum animal arquetipico uma pomba, um boi, um galo vem no bico de um corvo. Se, literariamente, estamos em meio a cifras prontas para nos enredarem numa teia sempre na iminencia do compreensivel onde estava? Eu ia entender, mas perdi , ha tambem uma ontologia sendo proposta, justamente atraves desse limite do que se pode e do que nao se pode dizer. Sao as palavras rouba-tempo e as subitas que, como num duelo verbal, disputam o espaco destas narrativas. As subitas , cercadas de espanto por seu misto de precisao e harmonia , sao esse personagem que se camufla e que, por isso, apenas solta estampidos que o leitor vai compreendendo a medida que, enquanto le, vai se libertando das rouba-tempo , tristes comentadoras de si mesmas. E assim que O pao do corvo, por disfarces, vai captando a frequencia da materia, da memoria, dos afetos ou do que se esconde na sombra mais profunda e vai espocando, como fogos que brotassem do interior da terra, jatos de linguagem e de historias. E desse mergulho, o leitor lento, aquele que teve coragem de penetrar no oco da palavra e das coisas, sai como se nu e mais disposto, tambem ele, a espantar-se. Noemi Jaffe

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