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Entre o lirismo e a observação lancinante sobre o ciclo da vida, a ausência de religião e a metafísica, um olhar inaugural e o manejo seguro da tradição da poesia em língua portuguesa, o mineiro Paulo Nunes faz de sua estreia em livro um desses momentos que devem ser saudados pelos leitores da nossa melhor lírica. O corpo no escuro é seu primeiro livro, mas reúne uma copiosa e consistente produção (conhecida apenas entre alguns leitores de revistas literárias) que cobre um período de mais ou menos vinte anos, o tempo que o autor, reservadíssimo e aplicado, levou para reuni-la nesta obra.
Dividido em duas grandes seções, ?????bvni??? e ???Tempo das águas???, o volume traz, articuladas ao longo dos poemas, meditações, observações e tentativas do autor de perscrutar a realidade em praticamente todos os seus aspectos. De feição sóbria, ostentando uma voz algo clássica e falando de temas maiúsculos da poesia (como o amor, o desencanto, o tempo e a morte), o conjunto impressiona pela coerência. Prova disso são poemas como ???Um astronauta??? (reproduzido na quarta capa), ???Parapeito??? e ???O vigia???, entre outros. Anotações líricas em que a solidão e o abandono do homem contemporâneo – esse ???corpo no escuro??? – recebe contornos clássicos, arrebatadores.
Mas a lírica de Paulo Nunes também versa sobre alguns lados luminosos da vida, especialmente os afetos. São as paixões, as amizades e o encantamento pelo outro que parecem reorganizar a visão do poeta, convertendo os momentos mais difíceis em oportunidade de pleno entendimento das coisas: ???pensar, sentir: a penumbra/ confunde seus habitantes/ quase os devora, mas/ por um triz a pele reluz???, anota o poeta. Eis em síntese, talvez, a fórmula de toda essa poesia.