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O narrador desta história, nunca nomeado, é um aspirante a escritor que se diz pouco imaginativo e está em busca de um enredo de ficção. Um dia ele recebe um estranho convite: Antônio, um antigo companheiro de trabalho na cinemateca, de quem não teve notícias durante anos, chama-o a sua cabana nos confins de um deserto gelado de um país estrangeiro, para que ouça de viva voz o relato de suas insólitas aventuras. Este é o ponto de partida de uma narrativa desconcertante, que se desenrola sempre na fronteira fluida entre o real e o delírio psicótico, seja este paranoico ou esquizofrênico. Ficamos sabendo que Antônio, vitimado por acessos de cegueira temporária, entra numa espiral de autoquestionamento e desequilíbrio ao sofrer uma sucessão de perdas: do emprego, da namorada, do pai viúvo. O contexto em que se dá esse processo é o de uma metrópole de um país em transe: meninas adolescentes são assassinadas misteriosamente, os apagões se sucedem por conta da crise na estatal energética, corroída pela corrupção e fustigada pelas sete famílias que dominam todos os setores da economia e da sociedade, incluindo a mídia. Orgias noturnas num parque da cidade, misteriosos telefonemas anônimos, dúvidas sobre a possibilidade de existência de um duplo, garotas sedutoras surgidas repentinamente, tudo isso se revolve na combalida consciência de Antônio, ao menos na versão que nos chega pela voz do narrador. Nada é seguro ou confiável, tudo comporta a hipótese de um ou mais fundos falsos. Assim como nem tudo o que é real se pode narrar, nem tudo o que se narra é necessariamente real. É nessa interrogação constante sobre o estatuto das coisas, sobre seu substrato de veracidade, que se constrói a escrita de Daniel Augusto.