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Pobre Hécuba! Não houve mãe grega ou troiana que tenha sofrido mais que a rainha de Troia! Um a um de seus rebentos, Hécuba perdeu para a guerra infame, realizada em nome de uma ???mulher que o foi de mais de um homem???, como ressoou no coro esquiliano (Ag. 63-64). A tradição deu-lhe entre quatorze e dezenove filhos. Eurípides ampliou a prole para cinquenta filhos, o que a tornou a imagem da maternidade total.
Quando a tragédia foi encenada, o cenário da vida real era a guerra do Peloponeso, que já acumulava seus mortos. Toda a peça se centra no sofrimento materno, potencializado na morte dos derradeiros filhos, Polidoro e Polixena ??? o primeiro, traído por quem o deveria salvaguardar; a segunda, reduzida a butim de guerra do inimigo já morto. Assim como as duas guerras ??? a de Troia e a do Peloponeso ??? se espelham, tais mortes replicam um drama em que a mater dolorosa vingará todos os filhos perdidos para a insânia humana.
Esta tradução de Hécuba oferece a leitores e plateias uma experiência totalmente inovadora, desobediente aos usos e costumes tradutórios que solenizam a linguagem, em detrimento dos sentimentos e impulsos que sangram a língua escorreita, para parturiar o trágico. Tradução descolonizadora, fiel à vertigem de um texto que revida à desgraça dessa mãe reduzida a nada ??? ???sem filho, sem marido, sem cidade??? (v. 669) ??? e cuja dor vai ???muito além da Taprobana??? (v. 714); chama a si recursos insuspeitáveis, para dizer a dor que não pode ser calada. Talvez esta tradução explique às plateias brasileiras a desrazão do belicismo em que vivemos.
Carlinda Fragale Pate Nuñez | UERJ