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Romance de estreia de Eurico Cabral, Guaporé envereda pelo cotidiano do sertão mato-grossense, tendo o rio como testemunha de uma história impactante entre pai e filha.
Em Guaporé, Eurico Cabral convida o leitor a uma imersão pela mataria sertaneja e suas estórias de vozes enredadas, entrelaçadas. Através de uma narração que flui em contínua alternância, aos poucos se desvelam as personagens que, de maneira ou de outra, rodeiam a trágica história de Tião e Luz, núcleo central do romance.
Tião é um retirante piauiense que, após uma infância subnutrida, chega ao sertão mato-grossense para trabalhar como vaqueiro. Sua família, ao ser enviada para tomar conta de uma estância isolada de tudo, o Retiro do Rio Verde, localizado entre a mata e o rio Guaporé, se torna cada vez mais desgostosa com a vida exilada; exceto por Luz, a filha mais nova. A esposa Zeferina e o filho Leovirson acabam por abandonar aquele fim de mundo e deixar sozinhos, junto às árvores e aos bichos, o pai e a filha, em sua relação terna, solidária e cúmplice, até que uma sucessão de desdobramentos moralmente complexos, trágicos e conflitantes põe fim à tranquilidade da vida familiar. A história do pai, Sebastião Nonato, e da filha, Leidiluz da Ora Nonato, no entanto, não é aquela que se esperaria de um romance trágico ??? de fim doloroso, incontornável e, sobretudo, único. Em um emaranhado de sonhos, mistérios e visagens, apresentam-se duas versões possíveis e, ao mesmo tempo, impossíveis para a escolha do leitor.
Do Piauí às margens do rio Guaporé, a narrativa de Eurico Cabral se aprofunda nos dilemas de vidas marcadas pela pobreza, pela seca, pela escravização moderna e suas indissociáveis violências ??? exploração, estupros, assassinatos, suicídios. Por mais que navegue por temas indigestos e pela brutalidade cotidiana e geográfica, a linguagem lírica de Guaporé também recorre aos mais belos encantamentos naturais, aliando-se a tradições literárias que dedicam tratamento reverencial à paisagem, à ???naturaleza???, e a cada ser vivo que habita os rincões do país.
Fabio Silvestre Cardoso