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Passadas as revoluções e guerras que, a partir de 1789, deram origem ao mundo burguês, urbano e individualista, o século XIX vê-se às voltas com a invenção de novas formas de organização da política, das idéias e, é claro, também do amor. É o século vibrante do romantismo desabrido, da moral vitoriana, da paixão melodramática, dos dramas intimistas no recesso do lar ou do inconsciente – caminhos díspares do sentimento amoroso que entretanto não páram de se cruzar de modo surpreendente. É esse o território que Alberto Manguel mapeia nesta notável antologia Contos de amor do século XIX.
O ponto de partida são Kleist e Sade, que anunciam essa era de ambigüidades. Daí, Manguel percorre dois grandes veios. De um lado, a paixão romântica em suas modalidades sentimentais, perversas, conjugais ou fantásticas – o universo de Balzac, Nerval e Bécquer. De outro, o decoro vitoriano, feito de reservas, meandros e casuísmos, tantas vezes cômicos – e aqui estamos no terreno preferido de autores menos conhecidos no Brasil, como Elizabeth Gaskell e Ronald Firbank, mas também de mestres como Henry James, Kipling e Jacobsen.
Com sua leitura vasta e heterodoxa, Manguel amplia ainda o raio da antologia. A escritora canadense Tekahionwake nos apresenta o amor no âmbito não-ocidental, ao passo que R. L. Stevenson narra o destino de uma nativa do Pacífico Sul sob o império (literalmente) da moral européia. Por fim, numa breve obra-prima de 1903, “Depois do baile”, Tolstói estilhaça as últimas ilusões sentimentais do século XIX e nos conduz às vésperas do turbilhão do século XX.