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Tido como o maior autor vivo na literatura de Portugal, António Lobo Antunes tem uma abordagem detalhada, em diversos de seus romances, sobre fatos marcantes na década de 1970. Em seu novo romance, Comissão das Lágrimas, ele utiliza a história verídica de uma guerrilheira presa e executada em Angola como ponto de partida para uma narrativa sobre dor, memória e identidade. Nascida no país africano e paciente de uma clínica psiquiátrica em Lisboa, Cristina é uma mulher cuja história é repleta de sofrimento. Afastada de Luanda aos cinco anos, ela tem vagas lembranças de seus pais na infância: a mãe, portuguesa, havia partido para a turbulenta Angola como dançarina. Ela se relacionara com um homem local, ex-padre e membro do emancipatório Movimento Popular pela Libertação de Angola. O envolvimento do pai de Cristina com a Comissão das Lágrimas – tribunal responsável pela execução sumária dos que haviam supostamente ajudado na tentativa de derrubar o governo revolucionário do MPLA – revela à moça os horrores da família e de um país que tanto lutara pela independência. Lobo Antunes entrelaça as vozes da protagonista, da mãe e do pai, revelando o retrato de um país fraturado pela guerra. Tomada por uma angústia que mistura passagens oníricas, realidade e memória, Cristina busca recordar o que a levou à sua condição atual, deitada na clínica lisboeta. Ao costurar fatos históricos e uma inventividade ficcional, Lobo Antunes constrói um romance denso, mesclando diferentes personagens e camadas narrativas, sobre um período marcante – e sombrio – da recente história africana. A violenta história da independência angolana é uma temática recorrente na obra do autor. Lobo Antunes, que viveu por dois anos no país como médico do exército português, durante a guerra colonial, relatou suas experiências no premiado Os cus de Judas. E voltou a abordar o processo emancipatório da ex-colônia portuguesa através de cartas trocadas com sua primeira esposa no período – que foram publicadas na edição Medidas extremas da revista literária Granta em português, lançada em 2012. Médico especializado em psiquiatria, Lobo Antunes investiga a mente humana com frequência em seus romances. Em entrevista ao canal de televisão português SIC Notícias, ele afirma que, mais do que um regresso à África, este romance promove um ‘regresso às profundidades do inconsciente’, em suas palavras. “Pergunto-me se cada um de nós tem uma Comissão das Lágrimas dentro de si”, levanta o autor, questionando a crueldade humana e a intransigência. Mais do que um romance sobre as mazelas de Angola, a loucura e o totalitarismo, Comissão das Lágrimas é uma história sobre a busca de uma identidade familiar e nacional, e acima de tudo sobre a culpa e o perdão.