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Enquadrar Lou Reed em alguma categoria artística específica não é tarefa fácil. Em seus mais de quarenta anos de carreira, ele já se mostrou e foi visto das mais diversas formas: o porta-voz da cultura underground de Nova York, o performer imprevisível que simula injetar uma dose de heroína em pleno palco, o glam rocker de cabelos descoloridos e unhas pintadas em busca de sucesso comercial e o irascível criador de experiências sonoras inclassificáveis que se recusa a fazer concessões. Sobre alguns fatos, porém, não restam dúvidas – ao lado de Neil Young, Reed é um dos únicos representantes do rock dos anos 1960 a manter uma produção constante e digna de nota ao longo das últimas quatro décadas e, como letrista, junto com Bob Dylan e Leonard Cohen, é um dos poucos compositores da música popular norte-americana a conquistar o status de grande poeta.
À frente do Velvet Underground, Reed “trouxe dignidade, poesia e rock and roll a temas como as drogas pesadas, as anfetaminas, a homossexualidade, o sadomasoquismo, o assassinato, a misoginia, a passividade entorpecida e o suicídio”, nas palavras do lendário crítico musical Lester Bangs, com quem mantinha uma notória relação de amor e ódio. Com o fim da banda, em uma carreira solo capitaneada por álbuns monumentais como Transformer, Berlin e New York, Reed pôde dar continuação à exposição compulsiva de suas obsessões de forma ainda mais livre e inclassificável.
Em Atravessar o fogo, por meio da tradução de suas mais de trezentas letras, é possível contemplar o gênio de Lou Reed em suas múltiplas facetas: o cronista do submundo nova-iorquino, o narrador de inegável talento para capturar as vozes das ruas, o fetichista depressivo com tendências suicidas e masoquistas, o amante da literatura e das artes de vanguarda. Um retrato completo da obra de uma das figuras mais polêmicas e influentes da música contemporânea.