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Em sua vasta tradicao, o romance de aventuras tem por caracteristica provar alguma coisa. O heroi esta no centro dessa provacao, e suas peripecias volta e meia o colocam na berlinda. Ele entao se desembaraca e segue em frente, puxando o fio da meada de novas experiencias. Em sua contrafacao erotica, pode-se dizer que o heroi aventureiro poe a prova o proprio corpo (e o alheio), sua potencia e ato nos quesitos resistencia e consumacao de si, a imponderavel ruina. O marques de Sade foi um dos grandes cultores desse genero, cuja obra esta marcada por um empreendimento de extrema violencia. Nao e a toa que o autor de As onze mil varas o chamou de o espirito mais livre que jamais existiu . A proposito, diferentemente de seu mestre, a violencia erotica de Apollinaire conta com o consentimento dos personagens, ainda que muitos perecam na empreitada. Se em Sade a crueldade e condicao do prazer libertino, em Apollinaire ela e o efeito colateral do mesmo, isto e, um acidente ou uma consequencia inevitavel e sem culpa. Com efeito, em As onze mil varas , o mal praticado contra o outro e o coroamento dos prazeres do protagonista, um certo principe, alias, hospodar, chamado Vibescu, Mony para os intimos, que se da ao luxo (e a luxuria) de viver chafurdado em sucessivas e impagaveis orgias. O dito principe e soberano no sentido de que vive para o gozo dos sentidos, sem precisar produzir para viver, podendo consumar-se livremente no excesso e no gasto sem reservas da libertinagem. A contribuicao de Apollinaire para o genero parece confirmar a tese de que aos olhos dos modernos e contemporaneos a violencia dos signos eroticos diminui consideravelmente seu impacto levando-se em conta o requinte e a delicadeza do trabalho formal de linguagem, de modo que, por vezes, a violencia propriamente dita acaba se transmudando em humor, tal a descricao, por exemplo, do membro viril como um boneco gordinho que quer se esquentar no seio da mamae. Como ele e bonito! Tem uma cabecinha vermelha e nenhum cabelo . De fato, em As onze mil varas , as peripecias libertinas nao se fazem sem erotizar a propria linguagem (o que se deixa ver muito bem na traducao de Leticia Coura), produzindo um efeito de significancia, aquilo que Roland Barthes define como producao sensual dos sentidos. Enesse ponto que a experiencia erotica e a poetica coincidem. Neste classico da literatura erotica moderna, o leitor ira se deliciar com metaforas, comparacoes e analogias inusitadas, que parecem brotar espontaneamente dos conluios carnais do principe Vibescu e de seus parceiros, de modo a refinar, nao apenas a expressao poetica do erotico, mas o sentido mesmo do erotismo, o qual, ao contrario da mera pornografia referencial (em que se enfoca o erotismo do outro), nao e nada obvio ou banal, mas essencialmente magico e singular.