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?? entrada do século XXI, algumas pessoas ainda escrevem, selam e postam cartas. Esta parece ser a natureza dos poetas e dos raros leitores de poesia, num tempo em que a poesia vislumbra o seu desaparecimento.
Em A Leitora de Poesia, através da personagem Maria Isabel, anti-heroína liberta do politicamente correto e do jogo de poder que perpassam todo o campo literário, é dado a conhecer a voz daquele (a) a quem Fernando Pessoa atribui a faculdade do verdadeiro sentir poético, o leitor, a leitora. E a protagonista deste romance epistolar não faz por menos, num percurso intimista de quem deixa transparecer tinta nas veias e poemas na pele. A surpresa do poeta é justamente perceber que a leitora, em verdade, é a encarnação da sua poesia.
(Abaixo, trecho do livro)
Nota do autor
Era uma segunda-feira, 21 de julho de 1997. Lembro-me, com a clareza de todos os detalhes de um romance realista, afinal não é todos os dias na vida que lançamos um livro. Já não era mais o garoto prodígio que, aos dezessete anos, publicara os seus primeiros poemas. Vesti-me para a noite célebre como se fosse um escritor famoso, e estreei uma caneta tinteiro Montblanc para a sessão de autógrafos, que havia comprado, a propósito, num antiquário do Recife Antigo.
Aos poucos, foram chegando os meus amigos de sempre: três ou quatro poetas, entre eles, o meu grande camarada Francisco, alguns alunos e familiares. Nenhum grande crítico, numa cidade que não tem críticos à altura da poesia que faz, para acobertar o acontecimento naquela noite nublada. O Francisco, com a sua passionalidade característica, fez a apresentação, enfatizando que estávamos diante de uma das obras mais inventivas produzidas na última década no Recife. Dizia que eu era um poeta de grande refinamento e possuidor da essência polissêmica que permeia e organiza a grande poesia, com rara imagística e musicalidade, comparando-me a nomes célebres da poética pernambucana, como Carlos Pena Filho. E leu um dos seus poemas prediletos que, por sua sugestão, dava título à minha nova série.
Ao final do evento, eu tinha vendido treze livros, menos do que nos lançamentos de todos os livros anteriores. Saímos para tomar um vinho no Dom Pedro: eu, o Francisco e mais dois poetas. Eles reafirmavam a beleza da minha lírica, mas era como se eu achasse que justamente este elemento, a beleza, simbolizada pela própria poesia, era agora menos necessária no mundo contemporâneo. Havia uma nova demanda, e eu não estava me expressando para o meu tempo!
Na manhã seguinte, já sem a aura daquele dia alegórico, pensei, mais uma vez, em abandonar a poiesis. Por que não vivera no século XIX? Até ali, a poesia fora uma instituição respeitada, e mesmo os poetas pobres como John Keats sabiam que estavam fazendo algo civilizacional! E agora, para quem escrevo eu?
O livreiro, Sr. Tarcísio, quando do acerto das contas, sugeriu que eu deixasse dez livros consignados. Eu só queria deixar cinco para não passar mais um vexame. Mas, atendendo a sua generosidade, deixei os dez exemplares. Os outros 277, da edição de 300, seriam para escambo: moeda de troca, para doar durante os próximos vinte anos da minha vida ou quem sabe, no futuro, um leitor imaginário, num sebo, nas calçadas do Recife, redescobri-los e lê-los com fruição.
Algum tempo depois do lançamento, com uma falsa despretensão, querendo, na verdade, saber do destino dos meus livros, passei na Guarany e soube pelo Sr. Tarcísio que haviam sido vendidos 7 exemplares da prateleira. Vendidos de forma espontânea. Valor que ele me pagou na hora, em espécie, não pensando que eu estivesse ali como um coletor, mas possivelmente sabendo das dificuldades de um bardo recifense!
Num sábado pela manhã, quando fui ao centro da cidade, passei mais uma vez pela Livraria e, com alguma inquietação, perguntei ao livreiro se, por acaso, ele sabia quem tinha adquirido meus poemas.
Confesso que, no íntimo, eu esperava receber um não e pôr fim de vez àquela minha investigação por falta de provas. Mas, ao contrário do que pensei, a vendedora disse-me que sabia, sim, porque uma senhora voltara para adquirir um segundo exemplar. Que era uma senhora bastante conhecida e que o Sr. Tarcísio a tratava pelo nome. E, tomando iniciativa, foi explicar-lhe que era aquela senhora que vinha sempre com o motorista.
??? A senhora Isabel de Mello! ??? exclamou o livreiro, enfatizando pertencer a uma das famílias mais tradicionais de Pernambuco.
Não foi difícil encontrar, num catálogo destinado à alta sociedade,
o endereço da Senhora Isabel. Resolvi, num gesto impulsivo, escrever-lhe uma carta. Tal ato resultou no encontro mais fecundo da minha vida…