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Outro um
Riqueza de recursos e domínio técnico
não representam, por si, positividade criativa.
Nem tudo que se tem se usa.
Há tempos leio com gosto coisas assim
em textos que Arnaldo Antunes solta de vez em
quando aqui e ali. Gosto por esse modo de sintetizar em
formulações originais o que tem a dizer
sobre determinado tema,
sobre um assunto qual ele quer,
contra o que muitos já estavam distraidamente de acordo,
para não chover no molhado, e
sem baratear a discussão
com essa maneira de não por assim dizer.
Indo direto ao x do problema.
Nenhuma grandiloquência, nenhuma
profundidade explícita.
Arnaldo me chama para organizarmos uma seleção
de escritos esparsos — em páginas
de jornais, revistas,
catálogos de exposições, prefácios, releases,
além de um ou outro ainda mais avulso
— no formato livro e
diferente dos que ele havia lançado até então.
Para quem está chegando agora e
mesmo para quem já vem
acompanhando os artefatos dele em diversos meios, este livro
esboça o mapa de um pensamento
em que se pode entrever
algumas o trânsito entre linguagens, uma injetando
suas particularidades na outra formações a urgência da criação
contaminada de vida, contaminando a vida recorrentes
o incomum dentro
do comum. Ideias sobre coisas
que ele conhece de dentro, porque tem
sempre lidado com elas.
Mas essa quase-auto-cartografia é em grande parte feita
de pedaços escolhidos em outros lugares. Porque
ninguém está imune ao olho do outro.
Aqui Arnaldo fala de música, poesia,
artes visuais, técnica ou comportamento, interessando-se
também pela maneira como tudo isso se dá
no trabalho de outros, abrindo-se a eles e
ensinando a abrir não só os olhos.
E em quem ou quê Arnaldo se fixa,
ligando os sentidos no que faz fazer
sentido, vai ficando mais fácil perceber
o quanto multiplicaram-se
os meios, os procedimentos e as formas de enfrentar
a questão da novidade frente à tradição.
Nos vinte anos abarcados por estes 40 escritos
Arnaldo se tornou um interlocutor importante
para muitos artistas
e o diferencial de sua atuação ficou evidente
para um número cada vez maior de pessoas.
Enquanto trabalhávamos neste livro,
fiquei pensando
que talvez isso aconteça
porque embora se empenhe na conquista
de um sotaque próprio, ele está sempre
disposto a reaprender como se aprende a cair
depois que já se sabe andar. De minha parte, continuo
a aprender com ele sobre
o apuro em procurar clareza e a certeza de que tudo é impuro.
JOÃO BANDEIRA